Mato Grosso,

sábado, 18

de

maio

de

2024
No menu items!


 

InícioCurtas‘Sorria, dava risada’, diz funcionário torturado e humilhado por patrões

‘Sorria, dava risada’, diz funcionário torturado e humilhado por patrões

G1

Nas mãos, as marcas que dificilmente irão sair – do corpo e da memória. As sessões de tortura e humilhação foram contra William Jesus, de 24 anos, e Marcos Eduardo, de 21. Cenas que foram gravadas e divulgadas pelos próprios agressores: Alexandre Santos Carvalho e Diógenes Carvalho, para quem os dois rapazes trabalhavam. Era um emprego informal numa loja, onde William estava há dois meses e Marcos, há um ano.

Acusados de furto, eles contam que foram agredidos a pauladas e até com um ferro de passar roupa. William teve as mãos marcadas pelo número 171 – o artigo do Código Penal para estelionato.

“Ele começou a queimar minha mão, sorria, dava risada, falava que eu estava vivendo o tempo da escravidão”, conta William.

Os dois casos aconteceram em dias diferentes, em uma das salas de um prédio em Salvador. Era onde Alexandre, o dono, guardava mercadorias que eram vendidas pelos funcionários em bancas no meio da rua.

No dia da primeira agressão, a de William, a situação não passou despercebida. É que o jovem, depois de ser queimado com ferro, conseguiu fugir e desceu correndo por essas escadas vestido apenas de saia – mais uma das humilhações que sofreu.

“E aí foi doloroso foi essa parte aí. Nossa. Essa parte de passar por tudo mundo, daquela forma, e como ele falou: como os escravos passou, né? E sair daquela forma ali foi muito humilhante, foi doloroso. Até hoje não consigo esquecer aquela cena”, afirma William.

As câmeras de segurança da rua onde a loja está localizada já foram entregues à polícia. Uma mulher, que trabalha na região e prefere não mostrar o rosto, conta o que viu e ouviu naquele dia.

“Como ele estava com um pano na boca, não dava para ouvir gritos nem nada. Só dava para ouvir a zoada da paulada nas mãos dele e depois só vi ele correndo de saia, e os dois atrás. Gerente e o dono atrás com pedaço de pau gritando pega ‘ladrão, pega ladrão’”, lembra a mulher.

Quatro dias depois foi a vez de Marcos Eduardo também ser acusado e agredido por Alexandre e Diógenes.

“Ele falou comigo: ‘Sente aí que a gente vai conversar’. Aí ele pegou um pedaço de pau. O outro pegou um pau também. Aí começaram a me bater: ‘Ah, você vai me pagar, você vai me pagar’. E dando risada. Dava para ver que eles estavam se divertindo com aquilo”, diz Marcos.

Os jovens negam terem roubado dinheiro ou mercadorias. Versão contestada por Alexandre, dono do pequeno comércio, e Diógenes, gerente. Os dois prestaram depoimento essa semana. Mesmo com o vídeo que comprova as agressões, a polícia diz que eles não foram presos porque não houve flagrante e, além disso, se apresentaram para depor.

Em entrevista, Alexandre e Diógenes mantém as acusações contra os jovens, mas reconhecem que erraram.

“Foi um momento que eu saí de mim, estava com a mente também bem pressionada pelas diversas vezes de passar ver um rindo, outro apontando. Eu sou de carne e osso, e quando você vai ouvindo essas coisas, uma hora a bomba explode”, diz o comerciante Alexandre Santos Carvalho.

“Por um ato de surto, um momento ali que a gente acaba se excedendo, e, agora, a gente está tendo toda essa repercussão, né, tudo isso que está acontecendo aí”, diz Diógenes Carvalho.

‘Um ato racista nunca é um ato isolado’

Para Samuel Vida, coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia, as sessões de agressão e tortura evidenciam um problema histórico da sociedade.

“É preciso não apenas responsabilizar os agressores, que tem a sua parcela de responsabilidade, mas utilizar como referência para pensar nas relações raciais no mundo do trabalho, que significa patrões, que significa chefes exercendo sobre seus subordinados um poder racial que chega ao extremo de vitimizar essas pessoas com agressões absolutamente criminosas. Portanto, um ato racista nunca é um ato isolado. Ele sempre tem uma conexão mais próxima, mais direta ou então indireta com outras manifestações. O fato dos agressores serem pessoas negras não elimina a natureza racista do ato praticado”, afirma Samuel Vida.

O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público do Trabalho, que vai aguardar a investigação da polícia para analisar se pode ser enquadrado como trabalho análogo à escravidão.

“Os fatos são estarrecedores. As imagens são chocantes. Graves violações físicas e psicológicas, inclusive com queimaduras. E também violações da parte trabalhista, da informalidade, da jornada de trabalho, da condição que os trabalhadores que estão submetidos àquele empregador estão realizando”, afirma Luis Carneiro, procurador-chefe do MPT.

“Não sai mais da minha cabeça. Tanto da minha quanto da minha família, todos os meus familiares, meus amigos. Não sai da minha cabeça”, diz William.

Receba as informações do ATUALMT através do WhatsApp:
Clique aqui para receber as notícias no seu WhatsApp.

“Eu quero que ele pague pelo que ele fez comigo, só isso. Que ele pague, que ele não faça isso com mais ninguém, que isso sirva de exemplo”, afirma Marcos.

VEJA VÍDEO:

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimas notícias