Estudo realizado pelo Instituto Pólis, no período entre 1º de março e 31 de julho deste ano, revelou que a taxa de mortalidade padronizada da população negra na capital paulista é maior do que a da população branca. Apesar do número absoluto de mortes na cidade mostrar que pessoas brancas estão morrendo mais, a análise mostrou maior vulnerabilidade entre negros – pretos e pardos – em relação à pandemia de covid-19.
O levantamento utilizou o método de padronização, comum na epidemiologia, considerando as diferenças na composição etária de brancos e negros, uma vez que o segundo grupo é composto por maior número de jovens. De acordo com o epidemiologista Jorge Kayano, do Instituto Pólis, a taxa obtida por meio do método da padronização consegue fazer um retrato mais fiel da mortalidade em populações diferentes.
A partir disso, o estudo mostrou que a taxa da população negra residente na capital paulista foi de 172 mortes por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade da população branca foi de 115 mortes a cada 100 mil. Sem o uso do método de padronização, a taxa entre os negros é de 121/100 mil habitantes e, entre brancos, de 134 óbitos/100 mil.
Kayano afirmou que as condições de vida gerais da população negra são, em média, piores do que as da população branca, em fatores como renda, grau de instrução, tipo de trabalho e vínculo empregatício, o que contribui para que essa população seja mais vulnerável. “É importante que a gente perceba que as populações de uma mesma cidade se diferenciam por uma série de características. Quando você pega a característica raça/cor, vai perceber que a população negra é muito mais vulnerável e tem morrido mais do que a branca.”
“A população negra está residindo, em média, em moradia mais precárias, está morando em bairros com menos infraestrutura tanto de saneamento quanto de acesso a serviços. Quando eu sei que a covid-19 está se espalhando e atingindo mais a periferia, que é onde tem mais negros, você vai ter mais negros adoecendo, em piores condições, com mais dificuldade de acessar serviços, ficando com um quadro da doença mais grave e chegando aos hospitais em condições mais precárias de atendimento”, alertou o epidemiologista.
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Homens e mulheres
Quando observado o recorte de gênero e raça/cor ao mesmo tempo, a taxa de mortalidade padronizada de homens negros chega a 250 mortes a cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa para brancos é de 157 mortes a cada 100 mil. Entre as mulheres brancas, a taxa foi de 85 mil óbitos/100 mil habitantes e, para mulheres negras, o indicador subiu para 140 mortes/100 mil.
Segundo o Pólis, a evolução do número de vítimas entre os grupos reflete como a pandemia causa maior impacto na população negra e que, embora todas as taxas tenham crescido durante o período analisado, o movimento ascendente da curva de homens negros é nitidamente mais intenso. Para o epidemiologista, é importante haver mecanismos de políticas públicas que levem em consideração essas diferentes vulnerabilidades.
“A equidade obrigaria que a atenção em saúde para a população masculina negra fosse muito maior do que para a população em geral. Não estou dizendo que a população em geral tem que ser esquecida, mas é a questão de fazer um diferencial positivo, na linha das políticas afirmativas, que protejam melhor essa população, que não por acaso é aquela que mais está saindo para trabalhar, que mais vive de trabalho precário e,portanto, está se infectando mais, adoecendo mais e morrendo mais”, disse Kayano.
Projeção de mortes
O método permite ainda identificar qual seria o número de mortes esperado para as populações analisadas, caso as condições de vida e pirâmide etária fossem iguais àquelas da cidade como um todo. A taxa padronizada de negros mostrou que seria esperado o total de 4.091 mortes entre essa população na cidade. No entanto, foram registradas 5.312 mortes até 31 de julho, o que representa 29,85% de vítimas a mais do que o esperado.
Em relação à população branca, o estudo mostrou que seriam esperados 11.110 mortes até 31 de julho, quando foram registradas 9.616 mortes de pessoas brancas, ou seja, 13,4% de vítimas a menos. Segundo o instituto, o quadro indica que, embora mais jovem, a população negra é proporcionalmente mais vulnerável à pandemia.
Dados por território
Por meio do método de padronização, foi possível territorializar o estudo, analisando as diferenças entre mortes esperadas e mortes registradas nos 96 distritos da capital paulista. A margem calculada, quando negativa, demonstra que morreram menos pessoas do que o estimado, de acordo com as taxas do município como um todo. Quando positiva, indica que mais pessoas morreram.
Em 27 distritos, a maioria localizada na periferia, foram registradas mais mortes de pessoas brancas do que o previsto pela padronização, o que demonstra maior vulnerabilidade dos moradores de bairros periféricos. Os bairros de Lajeado (+53,4%), Guaianases (+52,1%), Iguatemi (+40,2%), Cidade Tiradentes (+37,2%) e Vila Curuçá (+32,1%) apresentaram as cinco maiores diferenças. Por outro lado, em 65 distritos, morreram menos pessoas brancas do que o previsto.
Em 64 distritos, morreram mais pessoas negras do que o previsto. E, dos 23 distritos que tiveram menos mortes de pessoas negras do que o esperado, 15 estão localizados no quadrante sudoeste da capital. O Pólis ressalta que essa região tem o padrão de renda mais alto da cidade e mais acesso a serviços de saúde de qualidade, o que pode estar associado ao número de mortes menor do que o esperado entre as pessoas negras.
Os dados revelaram ainda que onde morreram menos negros do que o esperado também foi onde morreram menos brancos. De acordo com o estudo, a diferença negativa do número de mortes registradas e esperadas entre pessoas negras nessas regiões pode estar associada a melhores condições de acesso ao sistema de saúde e menor circulação do vírus.
Com abrangência entre 1º de março e 31 de julho de 2020, o estudo teve como base dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, do Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade, da Fundação Seade, do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, da pesquisa Origem-Destino do Metrô de São Paulo, da Rede Nossa SP, do DataSUS e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Edição: Graça Adjuto