A estreia olímpica do skate em Tóquio (Japão) no ano que vem será disputada em duas modalidades: o street (estilo praticado com obstáculos de rua, como escadarias ou corrimões) e o park (a pista tem um formato similar a de uma piscina). Cada país poderá levar até 12 atletas aos Jogos, sendo seis por modalidade – três homens e três mulheres – que estejam no top-20 mundial. Se não houvesse limite por nação, não seria absurdo imaginar o Brasil representado por cerca de 20 skatistas em Tóquio.
O presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), Eduardo Musa, admite que é grande a perspectiva de que a modalidade ajude no desempenho do país no quadro de medalhas em 2021, mas ele alerta: Também temos dimensão que essa cobrança toda pode trazer uma pressão indesejada. Tem os dois lados. A gente trabalha tecnicamente pensando sempre no melhor, mas é esporte. Queremos eliminar a pressão. Sabemos o que podemos render e vamos trabalhar ao máximo para entregar”, destacou o dirigente em entrevista à Agência Brasil .
O país tem cinco atletas entre os 10 melhores do mundo no estilo park: Dora Varella (6ª) e Isadora Pacheco (10ª) na disputa feminina, e na masculina, Luiz Francisco (2º), Pedro Barros (4º) e Pedro Quintas (6º). Já os rankings de street têm seis brasileiros no top-10. Além de Kelvin Hoefler, quinto entre os homens, são cinco mulheres nos 10 melhores postos da World Skate, federação internacional da modalidade. A lista é liderada pela atual campeã mundial, Pâmela Rosa (1ª), seguida pela vice Rayssa Leal (2ª), além de Letícia Bufoni (4ª), Gabriela Mazetto (8ª) e Virgínia Fortes Águas (10ª).
Completando a seleção brasileira, há outros 11 skatistas na reta final do ciclo olímpico, que ganhou mais um ano com o adiamento dos Jogos para 2021, por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19). A janela para obtenção de resultados fechará em 29 de junho do ano que vem, a menos de um mês para a abertura da Olimpíada de Tóquio. Os eventos internacionais estão suspensos por tempo indeterminado.
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O impacto da pandemia de covid-19 no planejamento do skate brasileiro e o retorno dos atletas aos treinos, quando possível, também foram abordados por Musa. O dirigente sublinhou a chance que o skate de competição tem de conquistar uma nova fatia do mercado esportivo, após os Jogos de Tóquio. Musa também abordou uma das peculiaridades da modalidade que, muitas vezes, suscita discussões: a precocidade de seus praticantes, como a brasileira Rayssa Leal, a Fadinha, vice-campeã mundial no street aos 12 anos.
Agência Brasil: A chegada da pandemia do novo coronavírus interrompeu eventos esportivos e treinos pelo mundo. Não foi diferente no skate. Como a CBSk tem tem atuado junto aos skatistas da seleção durante esse período de paralisação de atividades?
Eduardo Musa – O objetivo inicial foi cuidar dos skatistas e se colocar à disposição deles. Muitos têm pais e mães de grupo de risco. O segundo momento foi trabalhar a ansiedade. No começo, a gente não sabia se teria Olimpíada, se teria competição. Com o adiamento, embora tenha sido um momento triste, pelo trabalho de três anos e meio, acabou um pouco a questão da ansiedade e a gente passou a tratar a manutenção de exercícios em uma visão de saúde, de se manter a sanidade e a questão física em bons aspectos. Agora, é o terceiro momento, que é a preparação para a volta. Óbvio que não tem uma data de volta, mas, não se fala mais em lockdown , então, as pessoas já têm a possibilidade de fazer uma corrida do lado de fora, na rua, e, em alguns lugares, andar de skate. A gente não prega que todo mundo volte à sua rotina normal, longe disso, mas que tenha os cuidados e começar a discutir individualmente. E esse é um problema, né? Se fosse um esporte coletivo, fazia uma reunião virtual com todos. O skate tem questões pessoais de cada um. Alguns têm pista particular à disposição, outros não. Então, estamos trabalhando junto a eles. São 22 atletas na seleção, a gente tem 22 planos de retorno individualizados, levando em conta, claro, as condições físicas de cada um, mas, principalmente, as características de onde moram, qual pista pode e qual não pode.
Agência Brasil: Em alguns países, como os europeus, a prática esportiva está liberada com menos restrições. O Brasil vive, ainda, um estágio anterior no enfrentamento da pandemia. Dentro do planejamento, o que vem sendo feito para que o skate brasileiro, no processo olímpico, consiga correr atrás do tempo?
Musa – Hoje, 10 de julho [data da entrevista], a gente ainda não vê prejuízo técnico para o skate brasileiro, falando de Olimpíada. A gente entende que vai ter tempo, sim, para se recuperar e que chega forte do mesmo jeito na Olimpíada em 2021. Dito isso, claro que, quanto mais tempo demorar, a apreensão pode voltar a acontecer. Mas, hoje, olhando o cenário, a gente entende que é possível, sim, que em um período não tão longo, claro que não tão curto, os atletas de alto nível possam voltar a exercer.
Agência Brasil: Nesta sexta-feira (17), embarca para a Europa a primeira leva de atletas e técnicos,com o objetivo de retomar os treinos em segurança. O skate está integrado a esse planejamento do Comitê Olímpico do Brasil (COB)?
Musa – Estamos discutindo com o COB, sim. Ainda não tem um planejamento certo, até porque a gente quer condicioná-lo à sinalização da nossa federação internacional [ World Skate ] quanto à volta das competições. Hoje, não existe sinalização nenhuma de volta. O único acordo é que a Federação Internacional não pode anunciar nenhum evento com menos de 60 dias de antecedência. Acreditamos que não vá acontecer tão cedo. Brasileiros ainda estão proibidos de entrar em vários países, então não existe nem condição técnica de os eventos serem realizados. A gente quer finalizar essa questão com o COB [da Missão Europa], é claro, de comum acordo, assim que tivermos um pouco mais claro nosso panorama internacional.
Agência Brasil: Com o adiamento dos Jogos, o ciclo olímpico de Tóquio acabou ganhando mais um ano. Contratos de patrocínio que tenham sido assinados pensando no ciclo tradicional, de quatro anos, terminariam antes da Olimpíada. No caso da CBSk, haverá a necessidade de se rever algum desses contratos?
Musa – Nosso principal contrato é da Nike , fornecedora de material esportivo. Ele termina no final do ano. A gente não tem pressa [para renovar], até porque entende o seguinte: nesse momento de pandemia, se nas suas relações comerciais, você começar a falar na cláusula 15, cláusula 18, etc., todo mundo já sai perdendo. Não é o momento. Ninguém previu em contrato uma situação como essa. É o momento de entender melhor a situação de ambos os lados. Óbvio, vai ter que existir uma conversa. Temos mantido conversa com os representantes da empresa, mas nenhum movimento no sentido de rediscutir o acordo. É muito mais de entender o momento, de manter a relação. Nossa relação com a Nike sempre foi de muita parceria e muito respeito. Pautado nisso, a gente acha que ainda não é momento, porque não tem urgência. Quando as duas partes estiverem prontas, sentamos para rediscutir [o contrato de] 2021 em diante.
Agência Brasil: O Brasil tem alguns dos principais nomes do skate na atualidade nas duas modalidades com disputas em Tóquio. Há uma possibilidade real de o esporte ser o carro-chefe do país no quadro de medalhas em 2021. É um cenário do qual vocês têm dimensão?
Musa – Temos. Mas, também temos a dimensão que essa cobrança toda pode trazer uma pressão indesejada e a gente ser um fracasso. Tem os dois lados. A gente trabalha tecnicamente pensando sempre no melhor, mas é esporte. Outro fator importante: uma competição de skate, de alto nível, é disputada por quatro, cinco dias, no mínimo, de forma geral. Na Olimpíada, é um dia só. Tudo isso muda, gera sentimentos e reações que a gente está tentando entender com todo mundo. A gente não foge dessa questão. A gente sabe que pode ser importante para o Brasil no quadro de medalhas. Mas, não é nosso pensamento no momento. Temos um desafio, uma meta nossa, de classificar atletas nas 12 vagas olímpicas. A gente tem plenas condições. É trabalhar esses 22 [skatistas da seleção] para que os 12 que cheguem a Tóquio estejam muito fortes, e extrair o melhor para a carreira deles, para a confederação e, principalmente, para o skate brasileiro. Um bom resultado em Tóquio dará uma visibilidade ao skate de competição nacional que nunca teve antes. O skate tem um mercado próprio, uma comunidade muito forte, que sempre viveu independente. Agora, no meu entendimento, [a modalidade] vai conseguir mais essa fatia de mercado, que é o skate de competição, e acho que estamos preparados para isso. Mas, é esporte. Queremos eliminar a pressão. Sabemos o que podemos render e vamos trabalhar ao máximo para entregar.
Agência Brasil: Falando em pressão, a gente percebe que uma das características do skate é a juventude de boa parte dos competidores. Muitos, inclusive, são até menores de 18 anos. O Brasil tem a peculiaridade da Rayssa Leal, vice-campeã mundial no street aos 12 anos. A precocidade é um assunto que, volta e meia, vem à tona – como veio após o acidente da Sky Brown [skatista anglo-japonesa, de 11 anos, terceira colocada no Mundial de park, que caiu da pista, de uma altura de 4 metros]. Como você vê essa questão de idade, juventude e competição?
Musa – Com justiça, ninguém culpa outro esporte se alguma outra pessoa se acidenta. Se eu ando de bicicleta na praia e me acidento, qual a culpa que o ciclismo tem? Nenhuma. A Sky Brown estava em uma pista de skate que não é olímpica, com os pais dela e com um dos maiores nomes do skate mundial [Tony Hawk], se divertindo e caiu. É um esporte em que você pode cair. Você também pode cair da trave na ginástica. E a culpa é do esporte? Não. Acho que a discussão foi tirada de perspectiva. Falando especificamente das crianças, é uma coisa cultural [skatistas de faixas etárias diferentes andando juntos]. A gente não tem júnior, infantil, sub-isso ou sub-aquilo. Na cultura do skate, foi sempre assim que as pessoas competiram. A gente precisa entender isso. Claro que eu não posso ignorar que as reações emocionais de uma pessoa de 26 anos são diferentes de uma de 12, 13 anos. Mas, é importante [lembrar] que essa geração atual foi criada assim, competiu assim em X-Games e outros eventos. Acho que é um movimento natural da nossa Federação Internacional começar a colocar um limite de idade pós-Tóquio. Acho que isso vai acontecer, mas é muito mais pelas gerações que vêm com essa cabeça [de ser skatista de competição], e é natural que aconteça, porque o skate está ganhando um ambiente competitivo. A grande maioria dos que você vê na seleção, talvez 100%, não começaram no skate para competir, mas por diversão. Neste momento, o cenário do skate é diferente dos outros sim.
Agência Brasil: Você está na CBSk desde 2017, primeiro como vice do Bob Burnquist, um dos maiores nomes do skate em todos os tempos, depois na presidência, quando ele deixou o cargo, em junho do ano passado. Qual o balanço desse ciclo?
Musa – É de muito orgulho pelo trabalho, da gente começar uma federação que tinha uma pessoa voluntária trabalhando, hoje já são 17 colaboradores remunerados. Acho que vamos deixar um legado de estrutura do esporte e de organização do esporte que o skate nunca teve – também porque nunca quis ter. O skate, diga-se isso, sempre quis viver da forma que viveu. É que o skate olímpico é uma nova vertente, uma questão de possibilidade de um crescimento. Mas, é fundamental e importante a gente deixar a estrutura da confederação para fomento do esporte. O Brasil sempre foi uma potência no skate. O Bob é o precursor e foi o maior, junto com o Sandro [Dias, o Mineirinho], mas o Brasil sempre teve expoente. Tinha dificuldade de viajar para o exterior, mas quando essas barreiras foram ultrapassadas, o Brasil passou a ter muitos expoentes. A questão é que agora estamos conseguindo dar estrutura, aumentar a base do skate, fomentar e fazer com que grandes valores conseguissem chegar a campeonatos importantes para disputar.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues