No último mês, viralizou nas redes sociais relato de que mulheres estariam comprando, na ‘darkweb’, ovos de tênia encapsulados em comprimidos para emagrecer. Apesar da ocorrência não ter sido confirmada, a utilização de tratamentos e medicamentos, mesmo certificados e fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sem a orientação profissional pode trazer problemas para a saúde humana.
Os remédios naturais e tratamentos, mesmo que não passem pela indústria farmacêutica, também podem interferir no organismo, pois os produtos contêm princípios ativos capazes de causar alterações metabólicas e também interferir no uso de outros medicamentos.
Para entender os principais pontos acerca da utilização indiscriminada de medicamentos, o GD conversou com o pesquisador e professor do curso de farmácia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Victor Lima.
Gazeta Digital – O que é considerada a automedicação?
Victor Lima – É você fazer o uso sem um acompanhamento médico ou de algum profissional da saúde qualificado. A verdade é que essa expressão “automedicação”, está vinculada a uma política nacional de medicamentos, que existem diretrizes para o uso racional de medicamentos.
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De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a automedicação faz parte das questões relacionadas a gente fazer um uso irracional de medicamentos. O uso racional, que é o certo, ocorre quando o paciente recebe o medicamento apropriado, em suas condições clínicas adequadas, de acordo com as necessidades.
O brasileiro tem o costume de guardar sobras de remédios e ter uma caixinha em casa, como uma espécie de farmácia e isso favorece a prática que pode ser muito prejudicial. A gente pode mencionar desde medicamentos de uso mais fácil para a população, como de uso que deveria ser mais restrito.
Gazeta Digital – Quais são os riscos envolvidos, mesmo em medicações mais “simples”, como uma dipirona,?
Victor Lima – O risco se deve aos efeitos adversos desses medicamentos. Dentro das reações aos medicamentos, a gente pode ter hipersensibilidade ou desenvolver tolerância até chegar a um ponto que ele começa a não fazer efeitos, e ter que tomar sempre na dosagem maior.
O uso indevido de medicamentos pode trazer eventos adversos e prejuízos reais para pacientes. A grande questão é que as pessoas, hoje, querem um resultado imediato, então, às vezes, foca-se mais no ponto em que é comercializado o efeito farmacológico esperado, mas não se discute e reflete os efeitos inesperados, ou até esperados pela bula.
Cada fármaco tem um receptor que vai fazer determinado efeito. Mas esse receptor, às vezes, é expresso em outros órgãos.
Existem medicamentos que tanto podem te fazer mal, como também prejudicar os outros que você toma. A gente pode também ter interações entre os medicamentos, que podem trazer efeitos inesperados.
Gazeta Digital – Em relação aos remédios naturais, eles também oferecem risco?
Victor Lima – Eles têm o mesmo risco que os de farmácia e devem ser tomados com cautela. A gente tem uma diferença entre o que é medicamento e o que é remédio. Para muitos pode parecer a mesma coisa, que a gente usa no dia a dia esses termos, mas o medicamento é o que foi industrializado, fiscalizado e controlado pela Anvisa.
As plantas medicinais, algumas já têm estudos mais bem solidificados e o Sistema Único de Saúde (SUS) já oferece algumas plantas para se fazer uso. A Espinheira Santa, por exemplo, auxilia no trato de gastrite, enquanto o guaco para broncodilatação. Então, existem aqueles que são estudados e vem com uma dosagem certa.
A grande questão dos remédios naturais é que a gente não tem a questão de controle de dose, qual foi a concentração ou como foi o preparo e coleta.
Gazeta Digital – Quais são as principais diferenças entre os medicamentos e remédios naturais?
Victor Lima – A planta tem princípios ativos e isso é inegável. Ela tem efeitos. A planta, ao contrário de uma droga sintética que você faz na indústria, tem vários pontos que interferem na quantidade de princípios ativos ali, por exemplo, o quanto de água foi fornecida ou o tanto de luz que foi emitida.
Quando a gente pega uma planta, ao contrário do medicamento da farmácia que a gente sabe quanto do princípio ativo em miligramas vem na caixinha, lá da erva a gente não sabe quantidades, a não ser que seja feito um estudo disso.
Outra questão é que existem as chamadas “garrafadas”, que são uma mistura de plantas. Quando a gente começa a misturar muitas plantas, fazemos um coquetel de produtos naturais. Todo medicamento tem um efeito. A partir do momento que você ingere o medicamento com o outro, ele tem o risco de ter o seu efeito modificado.
Gazeta Digital – Qual seria a orientação correta antes de se utilizar de medicamentos?
Victor Lima – O ideal, seria antes de fazer o uso do medicamento procurar um profissional para te orientar. Mesmo os fitoterápicos precisam de uma orientação. Basear nossas atitudes em crenças e opiniões nem sempre faz bem e quando se fala de medicamento, o conhecimento da população ainda, infelizmente, é muito superficial.
Sobre isso, a gente se depara com outro obstáculo, que é a pessoa ter acesso a esses profissionais capacitados.
Apesar de eu estar falando que precisa de uma orientação, às vezes a falta ou a dificuldade de acesso faz com que a automedicação seja uma ferramenta da população. As pessoas acabam fazendo uso de medicamentos por conta própria devido às dificuldades. Então, é algo desafiador como sociedade, como país.
Talvez a gente devesse tirar esse fluxo do médico e espalhar para outros profissionais a instrução sobre uso de medicamentos, principalmente farmacêuticos que estudam para isso. São milhões de pessoas, pra poucos profissionais, infelizmente ainda hoje a gente não tem também todos os profissionais capacitados.