Especialistas defenderam nesta terça-feira (2) a interação entre a preservação e a exploração econômica de reserva marinha localizada no litoral de Santa Catarina. O debate ocorreu em audiência pública promovida pela comissão de Meio Ambiente (CMA) para instrução do projeto de lei que altera a categoria da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo para Parque Nacional Marinho do Arvoredo.
O requerimento (REQ 28/2024) para realização do debate foi apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do PL 2.215/2022. A intenção da relatora é colher subsídios que contribuam para elaboração de seu relatório sobre a matéria, já aprovada na Câmara dos Deputados, autora da proposição.
O PL 2.215/2022 foi apresentado na Câmara dos Deputados como PL 4.198/2012, de autoria dos deputados Rogério Peninha Mendonça e Esperidião Amin, hoje senador pelo PP de Santa Catarina. O processo de criação da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo teve início em meados da década de 1980, quando o movimento ambientalista reivindicava a proteção dos ecossistemas marinhos e a manutenção dos estoques pesqueiros da costa catarinense. Pedia-se a criação de um parque nacional englobando as ilhas ao norte de Santa Catarina: ilhas do Arvoredo, Deserta, Galé e Calhau de São Pedro. Em decorrência desse movimento foi publicado o Decreto 99.142, de 1990, assinado pelo então presidente José Sarney, que criou não um parque nacional, mas a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo.
Zona de amortecimento
Tereza Cristina quis saber a opinião da diretora de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Iara Vasco Ferreira, sobre as emendas da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara que suprimiram do projeto os artigos que tratavam da delimitação da zona de amortecimento e da manutenção da vigência do plano de manejo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, até que se publique o novo plano de manejo para o futuro Parque Nacional Marinho do Arvoredo.
A delimitação da zona de amortecimento e prorrogação da vigência do plano de manejo são instrumentos legalmente obrigatórios e fundamentais para a proteção de unidades de conservação, conforme estabelecem dispositivos da Lei 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
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Em resposta, a diretora do ICMBio disse que toda a pressão judicial dos últimos anos para que o próprio instituto estabeleça zonas de amortecimento provoca avanços nas negociações para definição de ato normativo.
— Estamos em estágio avançado de negociação com a AGU. Do ponto de vista para gestão da área, seria muito importante que este projeto de lei mantivesse a zona de amortecimento estabelecida, construída por meio de compactuação de um conjunto de atores. Nesse sentido, a gente defende a manutenção do artigo com a zona de amortecimento — posicionou Iara.
Ela acrescentou que, com relação ao plano de manejo, reitera a importância da manutenção do instrumento, ainda hoje vigente. Na avaliação da diretora do ICMBio, o instrumento não impede, pelo contrário, abre brecha para que “a gente desenvolva também a própria visitação na área da unidade de conservação”. Explicou que o pensamento na época de criação da reserva era mais preservacionista, sem a perspectiva atual de compatibilizar a proteção com os usos socioeconômicos dos recursos, “dentro dessas construções e arranjos possíveis no âmbito dos conselhos com base cientifica, para que a gente não prejudique os recursos que se quer preservar e a atividade turística. O uso desordenado do local vai gerar prejuízo e desgaste”.
“Instrumento precário”
O senador Esperidião Amin ressaltou que o próprio conselho da atual reserva reconhece que a definição governamental por reserva foi diferente daquela que a comunidade pedia, sendo implantada por decreto, em processo sem a devida consulta a todos os atores interessados na área.
— O decreto tem imperfeições geodésicas, a descrição não fecha, o mapa não fecha e não tem zona de amortecimento. Ou seja, teria que ser constituído por lei, pela legislação atual. Se fosse para criar a reserva hoje, teria que ser por lei. Foi por decreto e sem consulta. Então, temos um instrumento precário, inseguro juridicamente —
De acordo com Espiridião Amin, é necessário que a comissão encontre “um caminho de sensatez”, que evite uma zona de amortecimento incluindo praticamente todo o litoral da ilha de Santa Catarina e do continente fronteiro e criar uma reserva biológica a catorze quilômetros das cidades.
Vereador do município de Penha (SC), Luiz Américo Pereira questionou os limites da zona de amortecimento da reserva e defendeu o direito de exploração da região, que hoje concentra 20 mil famílias que dependem da pesca para sobreviver.
— A nossa grande preocupação é a área que foi designada como zona de amortecimento, de 850 mil hectares. Passar de 17 mil para 850 mil hectares, envolvendo doze municípios litorâneos, causa um grande impacto na vida dos pescadores que ali trabalham, porque essa área não tem só essa extensão, ela vai até quarenta e seis milhas náuticas para dentro do mar, ou seja, mais de 85 quilômetros adentro do mar — disse Pereira.
Para ele, na condição de representante dos pescadores da região, passar para o comando do ICMBio uma zona de amortecimento gigante é motivo de grande preocupação porque, historicamente, a pesca vem sofrendo algumas imposições por esse órgão.
— Existem membros do ICMBio que tratam o pescador de forma complicada. A nossa manifestação aqui é justamente para preservar aquilo que é nosso: o direito de poder pescar. Quem nos garante que todas as atividades exercidas fora dos limites da reserva serão respeitadas na zona de amortecimento?— questionou.
Atividade pesqueira
A coordenadora do Laboratório de Ecologia de Ambientes Recifais e do Projeto de Monitoramento Ambiental da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo e Entorno, Bárbara Segal Ramos, disse que a ampliação dos limites do parque nacional está prevista em parecer técnico que inclui a região sul da ilha do Arvoredo, que não está dentro da reserva hoje. Segundo ela, se existem grandes impactos da zona de amortecimento para a pesca, estes devem ser vistos como positivos, tendo em vista que protegem a atividade artesanal.
— A questão dos pescadores é importante de ser incorporada devidamente em toda essa discussão. A zona de amortecimento é muito grande. Ela tem um impacto para o pescador artesanal, inclusive muito positivo. Em todos esses anos de vigência, até 2014, a zona de amortecimento nunca impediu a pesca artesanal. O que houve foi uma parte muito menor, chamada de zona de normatização de pesca e turismo, onde, no plano de manejo, por processo participativo, foi delimitada uma área de exclusão da pesca industrial, ou seja, de embarcações de mais de dez toneladas de arqueação bruta. Essa determinação veio para proteção da pesca artesanal frente à competição com as grandes frotas industriais – afirmou a pesquisadora.
A deputada estadual por Santa Catarina e ex-prefeita de Bombinhas, Paulinha (Podemos), defendeu a construção de um consenso sobre o tema.
— A reserva foi criada de forma unilateral por um único ato administrativo em desacordo com os ambientalistas. Nossa proposta sempre foi a criação de um parque ambiental. A criação da reserva foi feita sem nenhum estudo prévio sobre a fauna, flora e seus limites. Defendemos a prática do mergulho. Na condição de parque, isso é muito mais possível — afirmou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado