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O jornal Folha de São Paulo publicou neste domingo (28) uma reportagem informando que os médicos do serviço público de Cuiabá não recebem há mais de cem dias por seus plantões prestados no Hospital Municipal de Cuiabá (HMC) e em todas as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). O hospital e as unidades somam 250 mil atendimentos por mês.
Segundo a reportagem, as empresas contratadas pela Prefeitura de Cuiabá e pela Empresa Cuiabana de Saúde Pública (ECSP), a Cooperativa de Atendimento Pré-hospitalar (Coaph) e a Family Medicina e Saúde, estão enfrentando atrasos nos pagamentos aos médicos responsáveis pelos serviços. Segundo informações fornecidas pela Coaph e pela Family, os atrasos decorrem da falta de repasse dos valores acordados em contrato pela prefeitura e pela ECSP. Como resultado, alguns médicos optaram por interromper ou reduzir a frequência dos plantões.
A situação agravou a crise do município, que deve R$ 500 milhões na área da saúde, segundo o Ministério Público Estadual (MPE). A falta de mão de obra contribuiu para ampliar as filas de pacientes.
A Coaph, sediada em Fortaleza (CE), é contratada pela Prefeitura de Cuiabá para fornecer serviços de atendimento em todas as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e na policlínica da capital de Mato Grosso.
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Enquanto isso, a Family Medicina e Saúde é a principal provedora de serviços de atendimento no Hospital Municipal de Cuiabá (HMC). A Family é contratada pela Empresa Cuiabana de Saúde Pública (ECSP), que está vinculada à Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
O proprietário da Family, Milton Correa da Costa Neto, anteriormente ocupou o cargo de secretário-adjunto na Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá. Em 2023, ele foi investigado pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de desvio de R$ 3 milhões dos recursos da saúde do município. Esses desvios ocorreram durante a gestão do atual prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), que já foi afastado do cargo duas vezes por suposto envolvimento em esquemas de corrupção na área da saúde.
Essas empresas terceirizadas estabelecem contratos societários com médicos, o que elimina o vínculo empregatício direto.
Em áudios obtidos pela reportagem da Folha, um representante da cooperativa responde a uma médica que questiona sobre os atrasos nos pagamentos, atribuindo a responsabilidade à secretaria municipal. Uma médica que trabalha em uma das unidades da cooperativa, a UPA Morada do Ouro, relatou ter interrompido seus plantões por não estar recebendo remuneração desde fevereiro. Outros profissionais também enfrentam atrasos nos pagamentos, com alguns sem receber desde o ano anterior.
Diante da crise e da escassez de médicos, a cooperativa impôs novas exigências aos profissionais, incluindo a obrigatoriedade de cumprir um mínimo de 48 horas de plantão por semana e atender a um mínimo de 38 pacientes por plantão. Aqueles que não cumprirem essas exigências enfrentam a ameaça de descontos nos pagamentos ou até mesmo o desligamento da empresa.
Concomitantemente, funcionários públicos da área da saúde em Cuiabá ameaçam iniciar uma greve em resposta às medidas adotadas pela gestão do prefeito Emanuel Pinheiro. Em março, a administração municipal reduziu em até 40% o adicional, um direito constitucional dos profissionais da saúde garantido também por legislação municipal.
O Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed) tomou medidas legais para garantir o pagamento integral do adicional, acionando a justiça. Em resposta, a prefeitura se comprometeu a efetuar o pagamento o mais rapidamente possível.
De fato, a prefeitura honrou sua promessa e efetuou o pagamento do adicional, um dia após receber o Financiamento da Média e Alta Complexidade (MAC), recurso disponibilizado pelo Governo Federal para custear atendimentos ambulatoriais.
Hugo Lima, procurador do estado de Mato Grosso, destacou que esse valor é designado especificamente para ações e serviços de saúde de média e alta complexidade. Qualquer desvio de finalidade pode resultar em sanções legais por desvio de recursos e práticas fiscais irregulares.
O promotor de Justiça, Milton Mattos da Silveira Neto, observou que o cenário da saúde na capital está marcado por “insegurança e instabilidade financeira”.
“Estamos buscando soluções de médio e longo prazo para evitar lidar apenas com medidas emergenciais”, acrescentou.
Estima-se que a dívida do município apenas na área da saúde alcance a marca de R$ 500 milhões, de acordo com avaliações do Ministério Público Estadual (MPMT).
OUTRO LADO
Procuradas pela Folha de São Paulo, a Coaph e Family não responderam até a publicação da reportagem. A Prefeitura de Cuiabá declarou que uma nova nota de serviço da Family Medicina será quitada até o fim deste mês. Quanto à Coaph, afirmou que a última nota foi paga dentro do prazo contratual neste mês. A prefeitura destacou que os pagamentos estão seguindo o trâmite contratual normal.
Segundo a prefeitura, a administração municipal assumiu a saúde pública há três meses, após um período de intervenção do governo de Mato Grosso, de março a dezembro de 2023, quando foi administrada por um gabinete de intervenção, “criado com o pretenso objetivo de solucionar problemas na saúde, mas deixou de cumprir 111 metas da própria decisão judicial que o criou”.
Ao retomar a administração, a prefeitura declara que enfrentou problemas como obras mal feitas e falta de pessoal. A prefeitura mencionou um déficit de R$ 200 milhões projetado para 2024, causado em parte pela retirada de recursos pelo governo estadual por “motivações políticas”.
Diz ainda que “o Estado deixará de investir cerca de R$ 96 milhões, como fazia no período da intervenção” e que “o Gabinete de Intervenção do Estado elevou o passivo da Secretaria em R$ 130 milhões”.
O Governo do Estado de Mato Grosso negou as alegações da prefeitura sobre a intervenção na saúde de Cuiabá, destacando que cumpriu as determinações judiciais e melhorou diversos aspectos, como aumento no atendimento e regularização na aquisição de medicamentos.
Esclarece ainda que a denúncia de déficit de R$ 200 milhões é “mentirosa e já foi julgada improcedente pelo TCE-MT” e destaca que o governo estadual “adiantou o repasse de R$ 46,3 milhões no ano passado, em decorrência do caos financeiro que se encontrava a Saúde de Cuiabá”.
O governo estadual nega a acusação de não pagamento de passivos, afirmando que os pagamentos foram realizados. Quanto à inexistência de contrapartida do estado, o governo de Mato Grosso contradiz, alegando que repassou R$ 846,8 milhões de 2019 a 2023, por Cuiabá ser um centro de referência regional e gestor pleno do SUS.
Por fim, esclarece que uma possível intervenção na Saúde de Cuiabá “deve ser determinada pela Justiça, pois o Governo do Estado não tem autonomia sobre a gestão do município”.
O Conselho Regional de Medicina (CRM-MT) informou que “é inadmissível que qualquer profissional fique cem dias ou mais sem receber pelos serviços prestados” e que a responsabilidade é da Prefeitura de Cuiabá, que “rotineiramente tem atrasado seus pagamentos”.