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Rio: ex-morador de rua agora ajuda quem está nesta condição

A aproximação de outras pessoas é o que há de mais importante para quem está em situação de rua deixar esta condição de vida. A conclusão é de quem por seis meses teve as ruas da cidade do Rio de Janeiro como casa e superou a dependência química. Léo Motta tem 40 anos e diz que quanto mais cedo alguém aparecer mostrando uma porta de saída, mais fácil fica para a pessoa em situação de rua encontrar outro rumo.

“Quanto mais tempo se passa, mais difícil fica. Infelizmente, a situação de rua adoece mentalmente e as pessoas começam a acreditar que o lugar delas é ali. Quanto mais cedo a gente se aproxima, estende a mão, oferece o acolhimento e a porta de saída, mais há espaço para lidar com essa situação”, explicou em entrevista à Agência Brasil.

Dependente químico e já sem o ofício de garçom que teve por 15 anos, a rua foi o caminho que ele encontrou em dezembro de 2016. O vício em drogas veio antes, após o assassinato de um filho pela esposa em maio de 2003. Aos 35 anos, uma overdose em frente à própria mãe foi o que o fez decidir sair de casa, deixando ainda três filhos, hoje com 23, 15 e 14 anos.

“Por conta própria eu decidi não fazer minha mãe sofrer mais, porque era uma vida de sofrimento. Meus filhos tinham vergonha de mim e minha mãe chorava todos os dias. Então decidi sair de casa e ir morar nas ruas. Fiquei seis meses, depois mais sete meses em uma casa de acolhimento até eu sair de lá trabalhando”, revelou. A casa de acolhimento é Associação Solidários Amigos de Betânia, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade.

Léo Motta contou o número de refeições que fez enquanto estava na casa de acolhimento. Foram 896. O número preciso é resultado de um trauma das ruas. 

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“Eu contei as refeições porque na rua fui muito humilhado. Uma vez por sentir fome e outra por sentir sede. Entrei em uma padaria pedi uma senhora para pagar um pão e ela cuspiu no meu rosto. Com sede entrei em um restaurante, o garçom me botou pra fora, perguntou o que eu queria, falei que queria água. Ele voltou com um copo descartável cheio de gelo. Pus na boca e botei tudo para fora. No copo também tinha sal. A instituição foi o único local que me preencheu de novo. Meu nome na rua era vergonha e o sobrenome era derrota”, completou.

Desde janeiro deste ano, Léo Motta é assessor da Coordenação Técnica de Programas para a População de Rua, da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e é assim que pode ajudar quem passa por uma história que ele conhece bastante.

“Sou um homem que usei drogas por 20 anos, morei na rua durante seis meses e hoje sou autor de dois livros. Um eu lancei em 2019 e o outro lanço agora no próximo dia 11, no Museu do Amanhã. Hoje tenho um endereço, a minha casa própria, uma filha de 1 ano e oito meses, conheci o meu pai depois de 38 anos. É até um tema do meu livro, o reencontro. A vida recomeça a partir do momento em que a pessoa aceita passar pelo acolhimento. Na rua ninguém consegue sair só. As pessoas só saem a partir das mãos estendidas”.

Ações

Hoje, no Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, o Largo da Carioca, no centro do Rio de Janeiro, se transformou em local de diversos atendimentos à população em situação de rua, desde banhos, entregas de kits de higiene, vacinação contra a covid-19, corte de cabelo, almoço, oficinas culturais de cartazes e produção de carta de direitos a ser entregue na Câmara de Vereadores do Rio depois de uma caminhada até a Cinelândia, onde fica o prédio do legislativo municipal e o encerramento com a entrega de lanches. Os organizadores informaram que tudo foi programado com base nos protocolos da covid-19, como distanciamento social, utilização de máscaras e higienização de mãos e superfícies.

Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua

Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Hoje é um dia marcante, um dia em que a gente busca a maior visibilidade para aquelas pessoas que passam invisíveis durante todo o ano. Esse dia hoje tem um símbolo muito especial para quem está lidando com a causa da população em situação de rua e para quem já esteve também em situação de rua. Hoje é um dia nacional em que a população de rua grita. O melhor de tudo é que hoje está sendo um dia de inclusão”, disse o assessor.

As ofertas de serviços foram preparadas por diversas organizações: Porto ComVida, Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS), Consultório na Rua, Fundação Leão 13, Projeto Ores, Projeto RUAS – Ronda Urbana de Amigos Solidários, Pastoral do Povo da Rua, Versos & Vozes Projeto Social, Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), coletivos de Educação Popular e Libertária, Geo Sem Fome e Pretas Ruas.

A advogada Pamella Oliveira, uma das fundadoras do Pretas Ruas, disse que o coletivo atua no apoio às mulheres negras e homens trans em situação de rua para combater a pobreza menstrual e ainda com a oferta de kits de higiene e absorventes. “A gente prepara uns mimos para essas mulheres cis e trans e absorventes umedecidos para pessoas que menstruam para que elas tenham um pouco mais de cuidado nesse momento já que é muito difícil encontrar água e local de tomar banho. Ainda mais agora nesse momento de pandemia. Antes tinham alguns lugares para circular e que liberavam acesso aos banhos. Agora ficou mais restrito”, informou.

Data

A data de 19 de agosto foi escolhida em memória do chamado “Massacre da Sé”, em 2004, quando sete pessoas foram assassinadas e oito ficaram gravemente feridas enquanto dormiam na região da Praça da Sé, no centro da capital. E foi a partir da tragédia que começou a mobilização de grupos da população em situação de rua para construir o Movimento Nacional da População de Rua, que mantém a luta pela garantia de direitos. Dessa atuação surgiram políticas para esse público.

A Política Nacional para a População em Situação de Rua, foi instituída por meio de decreto em 2009 e define população de rua como “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.

Edição: Aline Leal

Fonte: EBC Geral

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