Se policiais não tivessem se concentrado no teor das frases, o caderninho passaria desapercebido. Com letra de forma, ainda errante, sem identidade, o menino Miguel dos Santos assumia uma mentira ditada pela mãe.
“Eu sou um idiota. Não mereço a mamãe que tenho. Eu sou ladrão. Eu sou ruim. Eu sou cruel. Eu sou malvado. Eu não presto.”
O vocabulário da criança vinha do imaginário cruel. Da crueldade da mãe, Yasmin Rodrigues, de 26 anos. Ela está presa. Confessou que, depois de obrigar o filho a desenhar essas mentiras no caderninho de capa azul, o matou.
A história do triste fim de Miguel vem de Imbé, município do Rio Grande do Sul cercado pelo mar buscado por surfistas por causa das ondas exuberantes.
No caderninho com pautas, Miguel registrava o horror de uma criança torturada. Além de física e psicologicamente, Miguel, em seus sete anos, terminaria jogado em um rio.
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Ainda não se sabe se ele estava vivo quando Yasmin – não uma mãe, mas uma assassina – colocou-o em uma mala.
Depois de dispensar o corpo do filho que dera a luz sete anos antes, pegou a mesma mala e voltou para casa.
Miguel é parte crua da matemática violenta do infanticídio brasileiro.
O 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que o Brasil teve ao menos 4.971 crianças e adolescentes mortos de forma violenta apenas em 2019.
Os dados não documentam a violência que Miguel sofreu enquanto esteve sob o poder da mãe. Torturado, era obrigado a negar-se. O menino, ao contrário do que notas frias informam, não é exceção.
O delegado Antonio Carlos Ractz, que investiga o caso, disse à imprensa, sem rodeios: “O que já está claro e nós vamos confirmar durante as investigações é que a criança vivia sobre intensa tortura física e psicológica. Era desnutrida, embora tivesse matriculada na escola, não tinha amigos, não frequentava lugar algum, era trancada em um cômodo da casa, posta de castigo, trancada amarrada dentro de um roupeiro”, descreve.
É um acréscimo à dor que toma um Brasil já triste demais.