Dezenas de pessoas em situação estiveram no Tribunal de Justiça de Mato Grosso na tarde desta segunda-feira (14 de outubro), para participar do Seminário Pop Rua Jud MT, evento promovido para debater questões relacionadas aos direitos das pessoas em situação de rua em Mato Grosso.
A segunda parte do evento trouxe assuntos importantes relacionados à realidade das pessoas em situação de rua, voltados especificamente para a capacitação de magistrados e magistradas, servidores e servidoras e terceirizados e terceirizadas no atendimento das pessoas em situação de rua.
O palestrante foi o juiz e professor Douglas de Melo Martins, do Tribunal de Justiça do Maranhão, doutor em sociologia jurpidica pela Universidade de Zaragoza (Espanha) e doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), membro do Comitê Nacional PopRuaJud do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ele começou falando sobre os desafios do conhecimento e sensibilização a respeito do tema em relação aos magistrados e magistradas. “Eu acho que esse é o caminho, conseguir com a atuação conseguir sensibilizar e com a atuação trazer o conhecimento. Nós precisamos mudar muita coisa no Poder Judiciário se queremos um sistema de justiça que valorize os direitos humanos”, afirmou.
Diante de tantas demandas, métricas, cobranças que recaem sob os juízes e juízas, o palestrante considera que essas formas de avaliação não priorizem as matérias de direitos humanos que precisam de muita atenção do Poder Judiciário.
Incluir o tema de direitos humanos na formação obrigatória para magistrados é um dos pontos defendidos pelo juiz Douglas Martins.
Uma mudança estrutural do Poder Judiciário se faz necessária, defende. “A sociedade desigual demais diminui a qualidade de vida para todos. Essa desigualdade exagerada é o que nós estamos tentando minimizar, com políticas públicas, com uma atenção maior e sensibilização e isso tem a ver com a nossa atuação como magistrados”.
O painel foi mediado pelo defensor público federal Renan Sotto Mayor.
Políticas públicas – O segundo painel da tarde foi apresentado pela defensora pública de Mato Grosso Rosana Esteves Monteiro Sotto Mayor, mediado pela coordenadora do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR/MT) e ex-moradora de rua, Rúbia Cristina de Jesus, falando sobre as políticas para pessoas em situação de rua no Estado de Mato Grosso.
Rúbia iniciou o painel falando dos inúmeros sofrimentos e violências vividas pelas pessoas em situação de rua e os direitos que não alcançam essa população.
A defensora pública Rosana é uma referência da defesa da população de rua em Mato Grosso, e abordou desde o conceito sobre a situação de rua em três dimensões, até a articulação de movimentos representativos das pessoas em situação de rua e ocupação de espaços de poder que possam lutar e reivindicar os direitos da população em situação de rua.
A palestrante trouxe o dado de que há atualmente 3.462 pessoas em situação de rua em Mato Grosso. Ela apresentou um pouco dos trabalhos que já foram feitos na luta pela defesa dos direitos das pessoas em situação de rua, com inclusão das pessoas nos espaços de articulação política.
“Se compararmos com São Paulo e outras grandes capitais, é pouca gente. Se a gente estabelecesse seriamente políticas de saída das ruas, não seria tão difícil. O Judiciário precisa refletir no impacto das suas decisões na vida de quem está na situação de pobreza, miséria, exclusão social”, analisa a defensora Rosana.
“O que mais as mulheres sofrem na rua é a violação contra as mulheres, já sofri estupro por parte de policiais, todo tipo de violência, eu dormia na calçada, eu vivia suja, não tinha banheira, eu vivia em situação deplorável. Vivi em situação de rua por quase 20 anos da minha vida. Já cheguei a ter só a camisa do movimento para vestir, mas eu nenhum momento eu deixei de lutar. É possível, minha trajetória de vida vem da educação em direitos e vale a pena lutarmos pelos nossos direitos, não podemos desistir das pessoas que estão em situação de rua”, relatou a participante Juliara Marcia da Silva.
Sistema prisional – A juíza federal Luciana Ortiz, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foi a última palestrante do evento, falando sobre os protocolos do sistema criminal perante as pessoas em situação de rua que estão cumprindo pena e do sistema socioeducativo para crianças e adolescentes que cometem crimes. O juiz do TJMT Geraldo Fernandes Fidelis Neto foi o mediador.
A magistrada falou sobre o marco jurídico nacional da Resolução n. 425, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que traz uma nova perspectiva da governança pública para o atendimento da população em situação de rua no âmbito do Poder Judiciário.
“Nós não podemos ser juízes para a metade da população ou para a elite da população, nós temos que ter um Judiciário que entenda as pessoas que nós temos que atender. É disso que estamos falando, temos que mudar nossa lógica de pensar, que não funciona para as pessoas em situação de rua”, pontuou a juíza.
Em se tratando de pessoas que cumprem pena, a palestrante explicou a necessidade de aprimorar fluxos e procedimentos de forma que possam favorecer as pessoas em situação de rua.
“Nós temos que ter uma visão que não seja estigmatizante. As pessoas não podem ser julgadas pelas suas escolhas de vida em relação a direitos sociais e processuais que ela tem, ou seja, o fato de estar em situação de rua não pode ser motivo de criminalizar ou endurecer o sistema criminal para essas pessoas”, argumentou.
Por exemplo, quando uma pessoa cumpre pena em regime fechado, é condenada a uma pena privativa de liberdade (prisão) e outra restritiva de direito (multa) e só pode progredir de regime, do fechado para o semiaberto, ou retirar a tornozeleira eletrônica pagando a pena de multa, algo que não é possível para pessoas em situação de rua.
A juíza federal disse que isso é inaceitável e que está nas mãos dos magistrados identificarem que se trata de uma pessoa em situação de rua e julgar de maneira adequada garantindo justiça no caso concreto.
A abordagem em relação a crianças e adolescentes em situação de rua também precisa ser pensada pelo Poder Judiciário, ressalta a magistrada, em um contexto de violação de direitos.
O evento foi realizado pelo Poder Judiciário de Mato Grosso, em parceria com a Justiça Federal de Mato Grosso e a Defensoria Pública do Estado.
#Paratodosverem
Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Imagem 1: foto horizontal colorida do painel com o juiz Douglas e o defensor Renan. Eles estão sentados no palco do auditório, diante de uma grande tela com o título do painel e o logo do evento, enquanto o público está na parte inferior, de costas para a câmera, sentado nas poltronas e desfocado na imagem. Imagem 2: foto horizontal colorida do painel apresentado pela defensora Rosana. Ela está de frente para o telão, lendo o texto escrito, que fala sobre o que é situação de rua e tem uma imagem de um homem. Na parte debaixo, as pessoas estão sentadas assistindo a apresentação. Imagem 3: foto horizontal colorida da participante Juliara. Ela fala em um microfone, é uma mulher negra, com cabelos cacheados pretos, usa esmalte vermelho, veste uma camiseta branca com uma mensagem da Defensoria e usa crachá de identificação do evento. Imagem 4: foto horizontal colorida da juíza Luciana Ortiz em sua apresentação. Ela está em pé, segura o microfone com a mão esquerda e o controle do slide na mão direita. Ao fundo há letras desfocadas da apresentação dela em slides. Ela é uma mulher branca, veste saia e terninho cinza com linhas geométricas pretas, blusa preta, tem cabelos curtos castanhos e usa óculos.
Mylena Petrucelli/Fotos: Alair Ribeiro
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