Audiência pública da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) nesta quarta-feira (22) salientou o papel negativo de estereótipos históricos que dificultam a participação de mulheres negras em espaços de poder, situação que, segundo as debatedoras, soma-se à violência de raça e gênero e deve ser combatida por políticas públicas, ações afirmativas e educaçao antirracista.
Zelma Madeira, secretária de Igualdade Racial do Ceará, opinou que é difícil compreender as raízes profundas da violência contra as mulheres negras nesses espaços sem considerar os “modos de opressão ancorados no capitalismo” e a naturalização histórica da exploração do corpo negro. Segundo dados que apresentou, pessoas negras ocupam menos de 15% dos cargos de decisão no Executivo federal e, nesses cargos, as mulheres recebem 33% menos que os homens.
— Só encontro razão de ser dessas desvantagens se entendo uma sociedade racializada, como ela distribui seus benefícios e gera essa desigualdade. As mulheres negras habitam as bordas desse sistema.
Segundo Madeira, mulheres negras vivem uma contradição ao ocupar lugar nos discursos e estereótipos desde a escravidão, mas também de ocupar posição estratégica, e precisam ser avistadas porque fazem a interlocução com setores discriminados por terem o conhecimento para interpretar a realidade e a desumanização das mulheres negras.
Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella disse que o funcionamento da CMCVM é uma esperança diante da “violência” da representação majoritariamente masculina do Congresso. Ela saudou a renovação da lei de cotas, medida que considera contribuir para dar a “cara da população” às universidades e distribuir oportunidades para a construção de um Brasil soberano, mas seguem desafios como o enfrentamento da evasão escolar — situação que atinge principalmente a juventude negra.
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— Um projeto de Brasil que combata a violência de gênero e raça perpassa pela permanência e existência dessa população nos espaços decisivos do Brasil. A partir da ciência, da tecnologia e da inovação, hoje nós temos um projeto de reconstrução nacional — avaliou.
Naiara Fonteles, presidente do coletivo Quintal de Palmares, associou o perfil “extremamente conservador” de seu estado — Mato Grosso do Sul — a elevados índices de feminicídio e ataques a lideranças femininas indígenas e de religião de matriz africana, e cobrou políticas públicas no combate ao racismo religioso.
— Temos dados de lideranças de terreiros que são mortas diariamente, mas são subnotificadas, dizendo que infartaram, quando suas casas são depredadas e invadidas.
Os estereótipos — derivados de construções historicamente construídas — também foram apontados pela presidente do Grupo TEZ (Trabalho Estudos Zumbi). Para Bartolina Ramalho Catanante, eles afastam mulheres e pessoas negras e indígenas dos níveis decisórios.
— Temos que ensinar nossas crianças que é possível uma nova sociedade na qual o sujeito ou a sujeita seja reconhecido por suas potencialidades, e não pelos estigmas que a sociedade nos ensinou de forma deturpada.
Na avaliação de Bartolina, a dificuldade de acesso de mulheres — especialmente mulheres negras — às instâncias políticas representa uma violência que se manifesta na falta de prioridade nas campanhas eleitorais. Para ela, é preciso um sistema de financiamento diferenciado, que não seja meramente “simbólico”, para estimular candidaturas femininas.
Thaize de Souza Reis, docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), citou estudo que aponta que o papel da mulher negra pouco mudou desde o período colonial, tanto na realidade concreta quanto no imaginário social, e essas definições constituem entrave ao acesso do segmento a posições de destaque.
— Sobre nós recaem os estereótipos que recaem sobre as mulheres em geral, mas recaem também os estereótipos negativos atribuídos às pessoas negras.
Ela também criticou a nomeação discricionária a cargos executivos, tanto públicos quanto privados, por tornar-se “terreno fértil” para a manifestação de preconceitos. Em seu entendimento, as mulheres negras têm “solidão” nos cargos mais elevados, enfrentando sem ajuda grupos que se perpetuam no poder pela proteção mútua.
Nos comentários ao debate, a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) citou o episódio em que sofreu desrespeito dentro do Parlamento “como mulher, como indígena e como pessoa que precisa ser respeitada”, no qual, no entanto, afirma não ter recebido solidariedade da CMCVM. Ela declarou apoio às pautas pertinentes à participação feminina nos espaços de poder, independentemente de concepções políticas. A presidente da comissão, senadora Augusta Brito (PT-CE), lembrou que, desde seu tempo de deputada estadual, procurou envolver também os homens na pauta do combate à violência contra a mulher, e a senadora Jussara Lima (PSD-PI) disse compreender o esforço das mulheres negras para sair dos “bastidores da política”. Ela salientou que as mulheres precisam ajudar umas às outras.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado