A fotógrafa Jú Queiroz, de 34 anos, tem ganhado destaque em Mato Grosso com projetos voltados para a pluralidade dos corpos femininos, fomentando um debate sobre o mito da beleza e os padrões que resultam no adoecimento coletivo de mulheres.
Psicóloga de formação, e mãe da pequena Flora, de 6 anos, Jú Queiroz é natural de Brasília e veio para o Mato Grosso quando tinha apenas 3 anos. No Atualmente ela mora em Chapada dos Guimarães.
Ela conta que em sua trajetória sempre gostou de fotografar famílias, gestantes, partos, porém de uns anos para cá foi sendo cativada cada vez mais pelo trabalho com os corpos femininos, capturando a essência e compartilhando as histórias de muitas mulheres.
“O meu maior trabalho é com as mulheres, e estendo isso não apenas para mulheres cis (indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu), mas também todas as transexualidades, todos os gêneros”, diz.
Ao chegar a Chapada dos Guimarães, no final do ano de 2018, conheceu a filósofa feminista Malu Jimenez. O encontro foi um grande marco na trajetória da fotógrafa, resultando em trabalhos relevantes, como o livro “Lute como uma Gorda”.
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“Conheci a Malu e a gente se amou logo de cara. Ela começou a expandir a minha mente com as questões sobre o corpo, porque a Malu fala sobre gordofobia. Então a minha transformação com a fotografia também está atrelada à minha transformação dessa aceitação com meu corpo, com meu autoconhecimento. E a Malu é peça chave nisso tudo, porque a partir do momento que eu a conheci, a minha vida foi mudando assim mesmo”
O livro
“Lute como uma Gorda” é um livro de Malu Jimenez com ensaios fotográficos de mulheres gordas maiores, feitos no Cerrado, na Chapada dos Guimarães. As imagens capturadas pelas lentes de Jú Queiroz ganham nova vida com as colagens artísticas de Paula Mello. O livro conta também com ensaios do coletivo “Gordas Xômanas”, grupo voltado para mulheres como rede de proteção, apoio, autoconhecimento e ajuda.
O projeto surgiu da necessidade em levar para fora da academia a discussão sobre gordofobia e os corpos gordos femininos. Essa ideia é uma extensão-ação, anexa ao espaço virtual Estudos do Corpo Gordo, etapa importante das investigações de doutorado da idealizadora do projeto, Malu Jimenez.
“Quando um corpo não está dentro do padrão, ou seja, corpo magro, tido como belo e saudável, é estigmatizado, considerado feio, mau, anormal, doente, fraco, triste e, portanto, excluído socialmente. Essa discriminação é conhecida como gordofobia. Tal estigma é estrutural e cultural”, explica Malu, doutora em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT.
O projeto conta com duas fotos expostas na conceituada Bienal de Cerveira, em Portugal. O livro, que foi lançado em setembro de 2020 (mês da visibilidade da luta antigordofobia), já caminha para o lançamento de sua segunda edição, prevista para ainda este ano.
Desafios
Como nem tudo são flores, apesar da parceria ter gerado um
grande alcance, e feedbacks positivos, as represálias também estiveram presentes com a divulgação dos ensaios. Muitos dos comentários negativos atrelados aos ensaios em que Malu, uma mulher gorda, esteve presente, são de cunho gordofóbico.
Fato irônico é que mais da metade da população brasileira (57,25%) é formada por pessoas gordas. Os dados estão na pesquisa “Vigitel 2021”, realizada pelo Ministério da Saúde.
A fotógrafa também teme por sua conta do Instagram, que é o veículo que mais utiliza para a divulgação dos seus trabalhos, por causa da forte onda de hates que recebe em alguns ensaios pontuais sobre corpos gordos, ou abrindo questionamentos sobre questões ambientais.
Um exemplo disso é o caso de uma foto em que Malu aparece nua, em meio a uma vasta colheita de algodão, usando apenas uma máscara da gás. Trata-se do ensaio-manifesto “Envenenada”, que denuncia os impactos do agronegócio no meio ambiente.
Após a publicação desse ensaio, as duas sofreram uma forte onda de ataques por meio de comentários, mensagens e tentativas de derrubar a conta profissional da fotógrafa. A foto “polêmica” também está exposta na Bienal de Cerveira.
“Por isso que todos os dias eu penso em desistir, não porque eu não gosto, ou ‘porque é difícil’. É difícil fazer o que eu faço, como eu faço, mas a fotografia é o que me move. Eu quero só poder pagar as minhas contas, fazer a minha arte, poder levantar os meus debates, e não ser morta por isso”
Jornada do Corpo
Jú Queiroz também é criadora do projeto “Jornada do Corpo”, que abarca uma jornada de autoconhecimento do próprio corpo. O projeto consiste em autorretratos do corpo durante 13 dias, com desafios e reflexões diárias impostas pela fotógrafa às participantes.
“Eu criei essa jornada durante a pandemia, nessa ânsia por me fotografar, e por querer discutir o que eu via e o que eu sentia vendo meu corpo através das imagens, e aí eu criei a ‘jornada do corpo’, que era a jornada de fotografia e autoconhecimento que foi se transformando ao longo desse tempo”.
O projeto também cumpre um papel terapêutico na vida das mulheres. Junto com a foto também são feitas algumas reflexões, que são a grande chave para o autoconhecimento.
O projeto já contabiliza mais de 350 histórias de mulheres. Todo o processo, seus resultados e alguns depoimentos estão no Instagram da artista @juqueirozfotografia.