Uma postagem reunindo divulgações feitas por influenciadoras digitais de empréstimo para quem recebe Auxílio Brasil ou faz o Saque-Aniversário do FGTS viralizou nas redes sociais no início deste mês. Nos comentários, internautas criticaram a recomendação. E especialistas em Direito do Consumidor ouvidos pelo EXTRA concordam que não pode haver banalização das modalidades de crédito.
A publicação mais recente de uma influenciadora foi feita pela ex-BBB Natália Deodato, que reúne 3 milhões de seguidores. No Instagram, ela respondeu em uma caixinha de perguntas o questionamento: “Natália, recebo Auxílio Brasil e estou sem dinheiro. Consegue me ajudar?”. A recomendação foi do serviço de um suposto amigo chamado Bruno, que estaria fazendo pré-cadastro para quem quisesse pegar um crédito exclusivo para quem recebe Auxílio Brasil quando o governo liberasse. “Não precisa ter nome limpo para conseguir!” e “Super rápido e 100% de confiança” foram alguns dos comentários acrescentados por ela.
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Há cerca de 30 semanas, as ex-BBBs Gabi Martins, com 12,8 milhões de seguidores atualmente, e Viih Tube, com 23, 5 milhões, já habiam divulgado a possibilidade de antecipação do saque-aniversário do FGTS da mesma forma: respondendo caixinhas de perguntas. Ao serem solicitadas para darem uma indicação de confiança, o texto de resposta foi o mesmo: “Eu super indico o @brsouzaa_. Ele já é conhecido na área, faz a liberação certinha do FGTS. Você fazendo hoje, amanhã já recebe o valor. É só resgatar o seu FGTS. Você já concorre a um super sorteio de R$ 1 mil”.
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Das três, apenas Viih Tube, porém, identificou a resposta como publicidade.
Para Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), as posturas são reprováveis:
“Demonstram uma total falta de empatia e consciência da realidade brasileira atual, que é de superendividamento. Elas recomendam de forma banal, sem nenhum trato sobre os riscos deste tipo de crédito. Incentivam, para milhões de seguidores, a tomada de empréstimos para quaisquer fins, como para uma saída no fim de semana”, aponta Ione.
‘Crédito para extrema pobreza não pode ser opção’
Segundo Ione, a divulgação do crédito para quem opta por Saque-Aniversário do FGTS como “liberação do FGTS” fere o Código de Defesa do Consumidor, por falta de transparência.
“Ninguém consegue liberar o FGTS das pessoas fora das condições regulares, como em caso de demissão ou compra de um primeiro imóvel. Essa “liberação” do Saque Aniversário do FGTS é nada mais que crédito, embora não falem. E tem juros altíssimos, de 30% a 40% ao ano. Tem que ser tratado com seriedade. Só pode ser opção para uma emergência, para a compra de remédio, para comer. Ou corrói totalmente o poder de compra de um dinheiro que foi pensado essencialmente para ser uma proteção social ao trabalhador”, explica.
No caso do crédito para quem recebe Auxílio Brasil, para Ione, as restrições devem ser ainda maiores. A possibilidade foi sancionada já pelo Governo Federal, mas é considerada polêmica inclusive no setor financeiro. Alguns grandes bancos já manifestaram que não o oferecerão. E a política ainda necessita de regulamentação, o que, para Ione, proíbe a formação de pré-cadastros de interessados.
“Qualquer pré-cadastro para tomar crédito nesta modalidade agora é fraudulento. E já recebemos diversas reclamações de pessoas que, tendo feito pré-cadastro, não estão conseguindo cancelar depois”, conta Ione, acrescentando sobre o crédito: “Pelo que sabemos terá juros de 98% ao ano. É o triplo da taxa de um consignado comum para aposentado e pensionista. E isso as publicidades não falam. Tratam como um crédito sem risco, pelo desconto ser direto na conta, ao cair o benefício do governo. Mas se o valor depositado integralmente já não garante condições básicas de sobrevivência, como uma família vai corroer ainda mais essa quantia? Como vai viver por 24 meses com depósitos de R$ 160? Então esse crédito é só uma forma de repassar o Auxílio Brasil a instituições financeiras. E se a pessoa deixar de receber o Auxílio Brasil em algum momento, vai continuar tendo que arcar com a dívida. Esse crédito não pode ser uma opção. O Auxílio Brasil é voltado para pessoas em situações de extrema pobreza comerem.”
A indicação das influenciadoras para tomada de crédito é Bruno Souza, dono da KR Soluções. Contactado pelo jornal EXTRA, ele explicou que trabalha como correspondente, e não instituição financeira. “Apenas ofertamos os produutos de acordo com a procura e somos comissionados por isso”. O juros da Atencipação do Saque-Aniversário FGTS está em 1,8% ao mês, segundo ele, que diz trabalhar nesta modalidade para o C6 Bank. Para o pré-cadastro do crédito Auxílio Brasil, a informação é de que o juros inicial era de que o juros seria de 4,9% ao mês, mas nesta quarta-feira passou para 3,5%. E a lista e feita para o banco PAN.
“Tomamos o máximo cuidado com nossos clientes. Tanto que já atendemos mais de 4 mil pessoas e já estamos chegando à marca de R$ 4 milhões em créditos cedidos. Não se chega a esse nível com falcatura ou qualquer coisa do tipo”, afirma Bruno, que disse utilizar os sistemas regulares dos bancos para as transações, e que somente contrata as influenciadoras como forma de atração: “Não cabe a mim julgar se uma pessoa deve ou não (tomar crédito), e sim orientar e deixar claro os juros da operação. Esse cliente pode querer comprar uma geladeira, investir em algum negócio, tirar uma habilitação. Não cabe a mim nem a ninguém apontar e falar se ele deve ou não. Se as taxas estão altas ou não… quem define também não sou eu. E sim os bancos.”
Como verificar se um negócio é legal
O professor da FGV Direito Rio, Gustavo Kloh, elenca em duas etapas os cuidados que devem ser tomados antes de contratar esses créditos: verificar a legalidade a conveniência.
“Só quem pode conceder crédito é quem foi habilitado para tal pelo Banco Central. Fora os bancos, são as fintechs e os agentes de bancos. Então ao entrar em contato com alguém diz que oferece crédito, é preciso pedir CNPJ e que explique que operação é essa. No site do BC é possível checar se a empresa existe e está regularizada”, orienta.
Sobre a conveniência, Gustavo adianta que dificilmente esses créditos serão bom negócio. E concorda com Ione, do Idec, de que mesmo a Antecipação do Saque-Aniversário do FGTS só deve ser uma opção em um momento de dificuldade grande, e para prioriedades de sobrevivência.
“Operações de crédito no Brasil são muito caras. As pessoas têm que tomar o mínimo possível de crédito.”
Leia as notas enviadas ao EXTRA
– Vihi Tube
A publi mencionada foi realizada em 2021, e antes de ser aceita foi feita uma pesquisa sobre a empresa, que entendemos ter o mesmo cunho que várias outras de empréstimo consignado, e que são anunciantes de grandes empresas de comunicação. Na época, nada desabonava a empresa, por este motivo a publi foi realizada.
– Banco PAN
O banco PAN é uma empresa relevante no mercado de consignado, e está se preparando para atuar no Empréstimo Consignado para o público do Auxílio Brasil. No momento, essa atuação está limitada a tratativas dessa modalidade de empréstimo, sujeitas a condição suspensiva, de modo que a eficácia de qualquer ato, incluindo taxas e prazos, está condicionada à efetiva regulamentação da linha por parte do Ministério da Cidadania e demais disposições legais, administrativas e operacionais aplicáveis.
– Banco Central
Esclarecemos que não encontram-se entre as competências do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BCB) a regulamentação de aspectos relacionados à propaganda, marketing e a práticas abusivas na oferta e na publicidade de produtos e serviços, cujas matérias são disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e demais legislações vigentes.
A fiscalização quanto ao cumprimento dos direitos do consumidor cabe aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, entre eles, os Procons e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
De modo geral, a regulamentação do CMN e deste BCB disciplina, com relação à oferta e contratação de operações de crédito, os aspectos de conformidade, relacionamento com o cliente e transparência nas informações sobre as operações a serem contratadas.
Nesse sentido, a concessão de empréstimos e demais produtos de crédito por parte de instituições financeiras deve observar diversas regras previstas na regulamentação que disciplina as operações de crédito, em geral, tais como que a contratação de operação de crédito depende da formalização de um contrato com o cliente e que devem ser prestadas a ele todas as informações referentes à operação, como valores, taxas, encargos, prazos, direitos e deveres, responsabilidades, entre outras informações mínimas exigidas na regulamentação.
Por fim, as instituições financeiras e demais instituições reguladas por esta Autarquia podem contratar correspondentes no País visando à prestação de serviços, pelo contratado, de atividades de atendimento a clientes e usuários da instituição contratante.
Entre os serviços prestados pelos correspondentes permitidos pela regulamentação está o de recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil concedidas pela instituição contratante, bem como outros serviços prestados para o acompanhamento da operação, podendo ser de forma pessoal ou por meio de plataforma eletrônica.
De qualquer maneira, vale esclarecer que os correspondentes atuam por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado.
Informações sobre a relação dos correspondentes que atuam em nome das instituições podem ser encontrados nos sítios eletrônicos das instituições, bem como na página do Banco Central do Brasil aqui.
– As assessorias de Gabi Martins e do C6 Bank foram contactadas, mas não se manifestaram até a publicação. A assessoria de Natália Deodato não foi localizada, mas a equipe tentou contato com seu empresário, sem sucesso.
Fonte: IG ECONOMIA