Considerado uma doença, o alcoolismo é um dos grandes desafios da saúde pública em todo mundo. Desde 1967, integra o rol de patologias crônicas, conforme classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), com recomendação para que seja enfrentada por autoridades e líderes mundiais com empenho. A preocupação decorre das inúmeras complicações ocasionadas à saúde dos indivíduos que consomem em excesso, mas também pelos agravantes sociais como violências e acidentes, principalmente de trânsito.
Para alertar e conscientizar sobre os riscos do uso abusivo de álcool foi criado o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo, celebrado todo 18 de fevereiro. O objetivo é dar evidência à problemática, a partir das discussões sobre os malefícios decorrentes do uso indevido dessa substância, que afetam tanto o indivíduo como a sociedade, destacando a importância da prevenção e do tratamento.
Em Mato Grosso, muitas leis discutidas e aprovadas na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) ajudam a reforçar a ações e políticas de conscientização, prevenção e tratamento do alcoolismo. Como a lei n° 8.799/2008, que institui o Programa de Prevenção e Conscientização do Alcoolismo Juvenil, no âmbito do Estado de Mato Grosso. A lei tem como finalidade treinar professores das redes pública e privada, do ensino médio para que atuem como agentes, visando a prevenção do alcoolismo entre os jovens.
Entre as proposta em tramitação, existe o Projeto de lei n° 324/2019, de autoria do deputado Valdir Barranco, que prevê a instituição do programa de amparo e cuidados à mulher com vício em álcool. O projeto propõe a disponibilização, nas unidades básicas de saúde, de assistência médica, social e psicológica à mulher, com objetivo de tratar e promover a recuperação. A proposta leva em consideração o seu consumo e dependência entre as mulheres, que nos últimos anos se sobrepôs à média dos homens. De acordo com a proposta, os danos da do álcool no organismo da mulher é ainda maior porque atinge maiores concentrações no sangue e demora mais tempo para metabolizá-lo do que o homem.
O projeto de lei n° 754/2019, de autoria do deputado Wilson Santos, dispõe que as empresas que fabricam e distribuem bebidas alcoólicas em Mato Grosso e que recebam incentivos fiscais , destinem 5% de seu orçamento em propaganda para anúncios educativos contra o alcoolismo e acidentes de trânsito. Estudos indicam que a propaganda influencia o consumo de álcool por adolescentes. Por este motivo, faz-se necessário uma maior divulgação dos malefícios causados pela ingestão de álcool, como a dependência química e a relação direta entre a ingestão e os acidentes de trânsito.
Estatísticas – Um estudo publicado em abril de 2021, pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), apontou que o consumo de álcool foi 100% responsável por cerca de 85 mil mortes anuais durante o período de 2013 a 2015 nas Américas, onde o consumo per capita é 25% superior à média global.
Esses números são mais alarmantes diante das pesquisas que já apontavam o aumento constante no consumo de álcool nos últimos anos, que foi potencializado ainda mais com a pandemia da covid-19. Mais pessoas passaram a ingerir bebidas alcoólicas com frequência e quantidades maiores. No Brasil, um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig) mostra que 55% da população brasileira tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas, sendo que 17,2% delas declararam aumento do consumo durante a pandemia de covid-19, associado a quadros de ansiedade graves por conta do isolamento social.
Segundo especialistas, esse comportamento associado a momentos de vulnerabilidade aumentam as chances do desenvolvimento de dependência química e outras consequências pelo uso abusivo de álcool. No entanto, embora a frequência e a quantidade sejam fatores importantes no diagnóstico do alcoolismo, ele não é o único. Segundo o médico João Francisco, outros fatores devem ser avaliados para o fechamento de um diagnóstico. Também é preciso avaliar como isso tem afetado sua saúde física, emocional e as relações interpessoais.
“Existe um tripé de fatores para poder enquadrar uma pessoa como dependente. A primeira é a síndrome da abstinência, em que a pessoa ao parar de beber passa a ter reações físicas como tremor, mal estar, náuseas, dor de cabeça”, afirma. Segundo ele, a compulsão também deve ser considerada. “Quando a pessoa sente que não vai conseguir ficar sem o uso da bebida e por último a tolerância, caracterizada quando a pessoa passa a beber muito mais por dia do que ela costumava”.
Segundo ele, associado a esses fatores, os exames clínicos também vão ajudar a avaliar a gravidade da situação. “O álcool produz cerca de 240 doenças. Por onde ele passa, ele destrói. Há, por exemplo, a miocardite alcoólica, hepatite alcoólica, problemas digestivos, gastrite, pancreatite, problemas cerebrais como a demência, entre outros”, explica. Além disso, o médico descreve ainda os comprometimentos emocionais como baixa autoestima, raiva, agressividade, violência, depressão e ansiedade, relacionadas ao alcoolismo.
“Existe também o componente genético influenciando. Se os pais ou avós um dia foram alcoolistas, isso influi muito nessa doença”. O médico esclarece que doenças de comportamento, diversas vezes são influenciadas pela carga genética.
O médico João Francisco defende que o alcoolismo deve ser debatido com mais empenho junto à sociedade. Segundo ele, seria importante a existência de programas de prevenção ao alcoolismo. “Uma questão que preocupa é que o álcool é uma droga legal. Há uma facilidade muito grande de acesso. Além disso, é uma droga utilizada para recreação e isso dificulta a abordagem do tema com a importância que ele requer”, afirma.
“A principal preocupação não é para que as pessoas não consumam, mas para que seja feito de forma consciente para que, em médio e longo prazo, não tenhamos um aumento significativo dessas complicações ocasionadas pelo abuso de álcool”. Ele destaca preocupação maior com os jovens, pela vulnerabilidade emocional e social mais suscetíveis a essa fase. “É preciso uma abordagem diferente por ser uma fase de formação ainda. Muitos jovens que fazem uso de forma recreativa têm um risco maior de violência e agressão”, fala com preocupação.
Tratamento – Se por parte do poder público os investimentos e ações para o combate ao alcoolismo precisam ser mantidos e reforçados, do ponto de vista individual, a resposta depende não só de força de vontade, mas do acesso à acompanhamentos médicos e terapêuticos.
O médico explica que os tratamentos já estão bem consolidados e muitos deles podem ser acessados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O primeiro passo pode vir quando o usuário procura um atendimento básico de saúde e daí se inicia o tratamento que pode ou não envolver remédios”, descreve. “A abordagem tem de ser multidisciplinar. Só o médico não dá conta, precisa do psicólogo e assistente social para acompanhar o paciente, e saber do impacto no cotidiano e nas interações sociais”, defende.
Outro ponto importante, ele destaca, é a presença de uma rede de apoio, que pode ser a própria família e pessoas do convívio, como os Alcoólicos Anônimos. As pessoas mais próximas têm papel fundamental no tratamento, para ajudar tanto nos suportes as crises de abstinência, como nos cuidados para reabilitação. E as vivências partilhadas nas reuniões do A.A. funcionam como referência para ajudar a enfrentar os desafios para superar o vício.
Alcoólicos anônimos – Criado em 1935 nos Estados Unidos, o Alcoólicos Anônimos (A.A.) é uma comunidade mundial autossuficiente que oferece apoio a homens e mulheres com problemas com bebidas alcoólicas. Eles se reúnem todos os dias do ano, inclusive nos fins de semana e feriados, para trocarem experiências e relatos que o ajudem a manter a sobriedade. Até hoje, aproximadamente 2 milhões de pessoas conseguiram se recuperar do alcoolismo com o suporte do programa de A.A. No Brasil, o programa existe há mais de 40 anos.
O estado de Mato Grosso tem no momento 50 unidades de A.A, divididas entre as cidades, sendo 20 em Cuiabá.
O escritório principal está localizado no centro de Cuiabá, na Rua Antônio Maria, 130 – Edifício Anna Paula, 1º Andar, Sala 10, Centro. Ele funciona das 8 às 11h30 e das 13h30 às 17h30. Mais informações pelos telefones 3321-1020 e 98443-4986, ou no site www.aamt.org.br.