Este ano, Maria Eugenia Vieira Martins vai passar o Natal com a irmã, em Brasília — justo onde estava quando Cássia Eller morreu, em 2001 —, mas volta ao Rio antes do dia 29. Ela garante, porém, que não será por qualquer razão relativa à lembrança dos 20 anos da perda inesperada do seu grande amor.
“Saudade da Cássia tem todo dia, não só no 29. Nem eu nem o Chico costumamos fazer cerimônia ou rituais nesse dia. Tenho meu altarzinho, mas minha relação com isso [a religião] é algo muito pessoal, que não passa por igreja. O Francisco nem batizado foi”, conta Eugenia que, hoje, aos 60 anos, se divide entre os cuidados com a obra da cantora e o trabalho na área de segurança e eficácia de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quais são suas lembranças do 29 de dezembro de 2001?
Lembro de uma sensação de medo muito grande, e de uma certa dificuldade de lidar com o Francisco naquele momento. A minha dor era enorme, e eu ainda via a dor no olhar daquela criança. Hoje estou muito feliz com o Chicão, ele está bem, realizado, levando a vida profissional do jeito dele. Acho que ele foi muito inteligente nas escolhas que fez. Mas o trabalho com filho não acaba, o Francisco vai ser sempre uma criança para mim. Ele ainda vem aqui quando fica doente, ele quer aquele chamego.
Há cerca de cinco anos que o Chico não mora mais com você. Como foi a despedida?
Foi difícil, eu não acreditava muito nessa história de ninho vazio. A gente passa a vida cuidando de alguém e aí, de repente, percebe que tem é que cuidar de si mesma. Lembro que no dia em que ele foi, eu estava tentando fingir que ia ser ótimo para todo mundo. A gente fez um almoço de despedida e ele começou a cantar aquela música “Mãe”. E aí toda aquela elegância que eu estava tentando manter foi embora. Eu vim chorando para a sala e o abracei. Agora estou melhor, mas fiquei bem abalada com isso.
Você chegou a temer que ele passasse pelas mesmas dificuldades que a mãe passou no começo da carreira?
Por mim, o Chico seria um excelente professor de Geografia, com uma vida mais tranquila, mas não sou eu que faço a escolha. Sempre dava aquele medinho. Hoje, quando vou aos shows dele, me sinto como me sentia nos shows da Cássia. Tem toda a apreensão, eu fico vendo se o público está gostando, se está cheio, se ele errou a letra… Eu não consigo muito me divertir, exatamente como era com ela. Não tem sossego, não.
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A sua luta para ter a guarda do Francisco marcou época e abriu precedentes no Brasil para os então denominados LGBT. Acha que hoje seria mais fácil?
Acho que hoje eu teria uma dificuldade maior. A questão da guarda foi que eu entrei e o avô dele, que era militar reformado, também entrou. Naquela época, eu tive muito apoio da opinião pública, a caixa do supermercado falava que o Chicão tinha que ficar comigo… Havia uma energia muito boa. Hoje, a gente está num momento diferente, talvez a questão do avô militar pesasse um pouco mais. Na época, eu fiz o que precisava fazer para ganhar a guarda, e para mim era mais conveniente trazer a questão da família, da relação afetiva de mãe, do que essa questão [a dos LGBT]. Admito isso, naquele momento eu fui até orientada a deixar a discussão em banho-maria. Hoje, que tudo já passou, estou mais engajada e acho que a gente foi um exemplo que abriu portas.
Você conheceu Cássia nos anos 1980, em Brasília. Como foi a aproximação de vocês?
Muito antes de a gente se conhecer pessoalmente eu tinha visto um número só dela num show do Oswaldo Montenegro e aquilo me impressionou muito, a potência da voz daquela menina. Lembro de momentos em que a gente estava no Beirute, que era o bar da moda, de ver ela passar… A presença dela sempre me chamou a atenção. E a gente se conheceu mesmo através de um amigo em comum, na casa dela e de uma namorada. A antena já tinha sintonizado. A Cássia era muito tímida, eu achava que ela não ia muito com a minha cara. Eu chegava, ela calava, saía… Eu achava estranho, mas depois, quando a conheci melhor eu percebi que era mais a questão da timidez. E, quando aconteceu, foi fulminante.
A Cássia foi o seu primeiro amor por uma mulher?
Não foi o primeiro… Mas, de uma certa forma, foi o único. Eu era casada com um rapaz e, no meio desse casamento que ia muito bem, eu conheci uma menina e me apaixonei. O casamento terminou justamente por isso. A coisa com essa menina não foi para a frente e um ano depois eu conheci a Cássia.
Então você nunca mais teve um outro amor depois da Cássia?
Quando tudo se acalmou e a vida ficou mais estável, eu caí numa depressão profunda e fui viver o luto que não havia vivido. E o tempo foi passando. Cheguei aos 50, e as relações começam a ficar complicadas para a mulher nessa idade. Confesso que nunca estive muito aberta e não aconteceu. A vida inteira eu cuidei de alguém: da Cássia, do Chico… Hoje, eu estou me deparando com a questão de cuidar de mim. É difícil.